quarta-feira, 22 de março de 2017

BOMBA A BORDO!!


Quando temos medo somos tudo.

"Ah porque eu não sou racista! Nem xenófobo! Nem julgo as pessoas pela sua cor ou nacionalidade!"
Se me permitem uma asneira: uma merda é que não! Quando nos vemos metidos numa situação de pânico, todos à nossa volta são perigosos e potenciais terroristas.

Viajei para Londres na semana passada (fui 2 dias em trabalho) e só o Paizinho do céu sabe como detesto voar embora voe desde pequena e o meu Pai seja piloto e esteja sempre a dizer que o avião é o transporte mais seguro do Mundo mesmo antes do carro e do elevador. Quer dizer, eu gostava de poder voar literalmente (como nos acontece nos sonhos) mas viajar de avião é um stress para mim, para a minha cabeça, para o meu coração, para o meu corpo todo. Gosto de ter os meus pés bem assentes no chão e, se for para passar por algum imprevisto ou situação de pânico, preferia não estar sentada ao lado de um paquistanês com ar suspeito. NÃO ME JULGUEM JÁ, ouçam o resto da história. Coitado! O senhor, rapaz que deve ter a minha idade, foi super simpático e, às tantas, lá tentou acalmar-me porque viu que entrei mesmo em pânico. Eu explico. E atenção que escrevi isto durante a viagem para não me esquecer de nada, de nenhum pormenor.

Entro no avião e o meu lugar é um dos últimos, entre um paquistanês de boné e semblante carregado (soube depois a nacionalidade porque fiz-lhe um interrogatório pior do que a PIDE) e uma senhora que decidiu descalçar-se. Big mistake! Bem que me cheirava a queijo e pensei "Mas ainda agora entrámos e já estão a preparar a comida?" Nop, não estavam. Senhora. DESCALÇA! Ok? No, not really mas tudo bem.
Esse foi o mal menor, acreditem.

Começam a acomodar-se os passageiros e percebe-se que há pouco espaço nos compartimentos para as malas então as hospedeiras começam a arrumar melhor as cenas e, enquanto o fazem, perguntam de quem é a mala que têm na mão. Às tantas uma delas levanta uma mochila preta (a hospedeira era negra, detesto dizer preta, sorry, e isto é importante para a história) e ninguém se acusa como dono da mesma. Pergunta uma vez, pergunta duas, pergunta três, pergunta quatro e começa o burburinho. Como devem calcular, começa a ficar tudo um bocadinho stressado e a hospedeira, que entretanto estava a ficar em modo Michael Jackson (tava a ficar branca por isso era importante frisar que era negra, imaginem o pânico que devia estar a sentir e com aquele olhar de medo tipo "O que é que eu faço com isto?? Será uma bomba??") começa a andar para trás, muito devagar com a mochila pendurada na mão, em direcção à parte traseira do avião, depois das casas de banho. Mais do que aquilo também só sair pela porta. Ora, meus amigos, isto estava a acontecer mesmo por cima da minha cabeça, apenas a 4 filas da minha. A mochila tinha estado no compartimento por cima da minha cabeça. Eu não conseguia tirar os olhos da hospedeira e ela continuava a perguntar de quem era aquilo e toda a gente a dizer que não, "Not mine!". Fuck! Really? Com a mochila pendurada na mão e afastada do corpo (eu percebo que aquilo naquele corpinho também não estava famoso, ela devia estar uma pilha de nervos porque não conseguia disfarçar) pegou no intercomunicador e falou com alguém, sempre muito nervosa. Eu continuava a olhar para ela sem tirar os olhos, borrada de medo, e ela olhava para mim de vez em quando e voltava a perguntar, talvez na esperança de que a mochila fosse minha "Is it yours madam?". Agora que penso nisso é normal que ela achasse que aquilo podia ser meu já que eu não parava de fixá-la bem nos olhos. Eu continuava a responder que não até que lhe disse que estava "só" preocupada porque ninguém se acusava e a ansiedade aumentava. Pormenor importante: o paquistanês ao meu lado. De boné e fato de treino, de cada vez que ela perguntava de quem era a mochila ele desviava o olhar e não respondia, não reagia. Se pudesse encolhia-se todo. Tava a fazer-me uma confusão danada e ainda me enervou mais! Caraças, não podia dizer apenas que não era dele??? Oh que raio! Paara além disso, não parava de mexer no smartwatch e no telemóvel. É aqui que começo realmente a entrar em pânico e a fazer um filme na minha cabeça que fazia todo o sentido na altura (agora não...): "Olha tu queres ver que a mala é aqui do homem e ele tá a combinar mandar isto tudo pelos ares?? Ou então tá a programar o detonador porque tá a ver que vai ser apanhado!!" Tudo começou a parecer demasiado suspeito e a fazer sentido (na minha cabeça. Estúpida!! Tenho de deixar de ver filmes, mesmo.)

Entretanto, os portugas a bordo começam todos a perguntar o que se passa, eu já em pânico, não dava para fazer reset ao corpitxo, completamente passada e o avião começa a andar com alguns passageiros ainda de pé. Tipo oi? Então mas vamos seguir viagem com alguns passageiros de pé no corredor e a hospedeira com uma mochila sem dono e suspeita ao colo?? Mau... o paquistanês continuava impávido e sereno mas mexia no telemóvel e no smartwatch ao mesmo tempo. Juro que pensei "Ora bolas, tá a accionar a bomba por controlo remoto e isto ainda vai pelos ares antes de levantarmos voo! Só pode estar feito com os pilotos! Porque raio é que estamos a andar com uma mochila suspeita sem dono e pessoas ainda em pé??" Mais: o homem tava de fato treino: "Claro, desistiu da vida. Já que vai morrer nem se preocupou em vir vestido decentemente, óbvio. Ah se é pra explodir então vou assim mesmo." E estávamos num avião da British Airways, perfeito para um atentado. Digam-me que não sou a única a ter estes pensamentos, por favor!

Pra mim já tinha dado, não aguentava mais, tinha chegado ao meu limite de coração entalado na garganta. Tiro o cinto, levanto-me e pergunto "WHAT THE HELL IS HAPPENING??". A hospedeira que tinha a mochila e a colega respondem que não se passa nada, que tá tudo controlado e que estão a tentar falar com a restante tripulação. Tudo no avião a perguntar se íamos mesmo descolar perante uma situação destas e eu passei-me! Levantei-me, peguei nas minhas coisas (mala, mochila, casaco e almofada) e disse a brilhante frase "I wanna get out!! I'm getting off the plane!" E (burra!) fui ter com a hospedeira que tinha a mochila na mão, lol! Podia ter ido para o lado contrário para ao pé da outra e longe da "bomba" mas não, fiquei a 1cm da "coisa" (estúpida!! Ai Arroja tu realmente às vezes até pareces parva.) Às tantas já não sabia se a rapariga estava aflita por mim ou por não saber o que estava na mochila. Dizia-me ela que estava tudo bem e que não levantávamos voo enquanto não se descobrisse de quem era aquilo mas eu queria era que se descobrisse de quem era o mais rápido possível e, de preferência, que não estivesse ali dentro comigo.
Continuei em inglês "Não, não está a perceber: eu não vou neste avião com isso, eu quero sair daqui! Só quero que parem o avião e me deixem sair que apanho o próximo." Como se isto fosse a carreira dos autocarros ou o metro. (Jasus! As figuras que uma pessoa faz quando entra em pânico) Eu só queria sair dali e ficar longe do paquistanês com ar suspeito que continuava sem se manifestar, apenas olhava para mim muito sério e ninguém parecia prestar-lhe atenção. Mesmo, ele estava  demasiado tranquilo e sério e não parava de mexer ora no relógio, ora no iPhone. What the hell?? Opah não pensavam o mesmo que eu naquela situação?

Bom, a outra hospedeira aproximou-se quando percebeu que eu estava levantada com a minha bagagem toda pendurada em mim e a dizer que queria sair. Disse para não me preocupar porque quando entraram no avião a mochila não estava lá, tinha de ter vindo com alguém. Claro!!! "Veio com o paquistanês!!! Não é óbvio?? Ele quer mandar isso tudo pelos ares mas não quer ir sozinho que isto de ser mártir com companhia é muito mais divertido!" pensei mas não disse, pouco faltou. E teria certamente a minha companhia no inferno, tal era o julgamento que eu estava a fazer dele, coitado do rapaz que devia ser da minha idade!
A 2ª hospedeira, bem mais calma do que a 1ª, pega na mochila e diz que vai descobrir de quem é e eu só pensava "Ai mulher tu não abanes isso que não sabes o que tá lá dentro, Oh valha-me Deus!" E ela, bem mais descontraída que a outra, começa a andar pelo meio do avião com a mochila encostada à cara (a corajosa!) e a perguntar alto e bom som se aquilo era de alguém. Olhava para cada um dos passageiros e perguntava "Is this yours?", Is this yours?", "Is this yours"? Nada! E o pessoal a ficar mais nervoso, tudo a virar cabeças, a levantar-se das cadeiras até que um senhor que estava sentado na última fila de fones nos ouvidos (o otário!) exclama com a maior das calmas "Oh, that's mine!" Ai sim? É seu?! E um par de belinhas no meio da testa, não??? Suspirei de alívio, acho que me caiu tudo, até me senti a desmaiar. A hospedeira aflitíssima diz-me "See? There is nothing to worry about." com um tom muito maternalista. Ah pois não! Não és tu que vais ao lado do paquistanês, sou eu! Se isto der merda tu mandas-te pela janela mas eu tenho o cinto e tou mesmo ao lado do senhor, vai ser bem mais difícil escapar.
Digo-vos, só não me borrei toda porque já tinha feito cócó. Mesmo.
(Desculpem-me pela imagem mental agora)

Só que o filme já estava todo feito na minha cabeça e eu só pensava que aquilo estava a acontecer por uma razão, parecia que estava mesmo dentro de um filme, era tudo demasiado estranho para ser real e estar mesmo a acontecer.
Bebi um copo de água, tremia que nem varas verdes e lá me mandaram sentar porque o avião não parou e íamos mesmo descolar. Fui para o meu lugar mas ainda não ia convencida. Pensei cá para comigo "Ok, isto da mochila foi uma infeliz coincidência mas o raio do paquistanês continua com um ar muito suspeito e não pára de mexer no relógio e no iPhone. Para quê senhores?? Só pode estar a armar alguma."

Volto então para o meu lugar, peço desculpa ao paquistanês, que teve de levantar-se para eu me voltar a sentar e sento-me. Uma rapariga muito simpática na fila ao lado pergunta-me se está tudo bem e respondo que não, mais ou menos vá. A senhora ao meu lado também estava muito nervosa e diz-me baixinho "Que susto! Se pudesse também me ia embora!" Pois, pudera!! Que cagaço! Mas eu não tava convencida com o suspeito do meu lado esquerdo, o avião em andamento quase a preparar-se para descolar e ele no facebook. "Oh diabo! Arroja não és gaja não és nada se não tentares descobrir o que se passa aqui." Então comecei o interrogatório ao desgraçado do homem que durou a viagem quase toda e ao qual ele resistiu com uma paciência de santo. Eu acho, agora que olho para trás à distância de 6 dias, que ele percebeu perfeitamente que eu tava a desconfiar dele. Ah não!! Se íamos todos pelos ares, eu queria pelo menos perceber quem era aquela pessoa. (Alguém que me chocalhe please??)

Conversa toda em inglês:

- Sabe que não pode estar com o iPhone ligado não sabe?
- Sim sim, vou já desligar.

Assim que descolamos e estabilizamos lá em cima ele saca do computador e abre uma cena que parecia o e-mail:

- Está a conferir o seu Mail? Olhe que não pode...
- Ah não não. Estou só aqui a tratar de umas coisas de trabalho.  

Trabalho... pois. Deve estar é a conferir coordenadas e horas e cenas para detonar a bomba. Deve ter ficado nervoso e atrasou isto tudo. E porquê este meu pensamento? Porque não só ele estava demasiado calmo como não largava os aparelhos electrónicos e fazia por esconder a cara. Caramba!! Não teriam pensado o mesmo que eu?! Eu só pensava na notícia que depois iria passar nos telejornais de um avião da BA que tinha explodido em pleno voo e depois a foto do terrorista que tinha levado a cabo o ataque. E tudo se encaixava. Então decidi conhecê-lo na tentativa de mantê-lo ocupado e impedir o que quer que fosse acontecer. (Eu devia era ser guionista, tenho de pensar nisso pra ganhar mais uns trocos).
Vai daí perguntei-lhe tudo e mais alguma coisa e quando eu digo tudo é tudo mesmo. Porque é que ia para Lisboa, se morava em Londres, se tinha família, que idades tinham os filhos, o que é que fazia na vida etc. Disse-me que trabalhava numa empresa da qual não percebi o nome, tinha mulher e duas filhas, morava em
Londres, era do Paquistão e ia a Lisboa para uma reunião de negócios. O problema é que ele respondia a tudo muito calmamente e hesitava antes de responder. "O gajo tá a pensar, tá a inventar para ver se me engana." Às tantas pergunto-lhe como é que se tinha mantido tão calmo durante o episódio da mochila.

- I jump off planes twice a week.

"Salta de aviões duas vezes por semana?? Para quê? Só se for para treinar! O sacana anda a treinar." Pensei eu. Voltei à carga:

- Mas porque é que salta de aviões duas vezes por semana? É pára-quedista? Faz skydiving?

Esboça um sorriso e responde:

- É uma expressão. Entro e saio de aviões duas vezes por semana porque viajo muito. Trabalho para uma agência de viagens internacional e tou habituado a voar, já não fico nervoso, encaro tudo com naturalidade.

"Claro! Andaste a treinar e vocês são treinados mesmo para isto! Para terem uma frieza dos diabos." (Até onde vai a demência de uma pessoa em pânico e completamente alterada a achar que vai desta para melhor.) Só que o rapaz começava a parecer-me sincero. Bem, só por ter levado comigo a viagem toda é um mártir, um verdadeiro mártir sem ter precisado de explodir nada.

Ainda não muito convencida, continuei o interrogatório e ele entrou no jogo e começou também a fazer-me perguntas, o que tinha ido fazer a Londres, etc e tal. Expliquei-lhe que trabalhava em rádio e tinha ido entrevistar dois actores de um filme que vamos apoiar, ficou muito interessado e conhecia os actores (Aqui pensei "Olha, gosta de cinema e percebe de filmes, se calhar é só um gajo que teve o azar de ter algumas atitudes suspeitas durante toda uma situação estranha e deve estar tão habituado a que o julguem pela aparência e pela côr da pele que opta por ficar na dele e nem sequer reagir quando acontece uma situação destas".)
Viemos a conversar o caminho todo, ele a tentar trabalhar e preparar a sua reunião e eu a tentar saber mais sobre ele. A verdade é que a conversa foi fluindo e, às tantas, já tinha descontraído de tal forma que já quase que tinha esquecido os meus pensamentos e desconfianças iniciais. (Até acho que passei pelas brasas durante uma meia-hora.) Disse-lhe que tinha de voltar e conhecer o resto do País, ele que só conhecia Lisboa mesmo e que, já agora, também devia passar pelas nossas ilhas. Acabei por dar-lhe um roteiro turístico do Continente português e seus arquipélagos.

Esou desculpada por ter pensado mal dele, não estou?

Isto acabou por ser uma grande lição de vida. Julgamos os outros, julgamos os que julgam os outros, todos julgam os outros mas se nos virmos com o rabinho entalado também fazemos o mesmo, é quase impossível não o fazermos, é estúpido mas é quase uma defesa nossa. "Se és diferente de mim então és o culpado ou responsável." Não tem de ser assim.
Só de pensar que cheguei a dizer ao homem "Nota-se que não é caucasiano, é de onde?" Arroja, really?? Até me sinto envergonhada. Shame on me!
Por outro lado, olho para as notícias de hoje, do alegado atentado em Londres, e não deixo de sentir um friozinho na barriga. A minha grande amiga Maggie (que vive lá há muitos anos) tinha estado no local do atentado 20 minutos antes de acontecer. Nunca sabemos onde vai ser o próximo, por quem vai ser levado a cabo... será que vale a pena vivermos aterrorizados e condicionarmos a nossa vida por causa disso? Já para não falar nas figuras tristes que uma pessoa faz por causa do medo.


Pensem nisso. Serviu-me de lição.


Arrojinha*


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